quarta-feira, 19 de novembro de 2008

CRISE DE HUMANIDADE

A crise economica-financeira, previsível e inevitável, remete a uma crise de humanidade.
Faltaram traços de humanidade mínimos no projeto neo-liberal e na economia e mercado,
sem os quais nenhuma instituição, a médio e longo prazo, se aguënta de pé: a confiança e
e a verdade. A economia pressupõe a confiança de que os impulsos eletrônicos que movem
os papeis e os contratos tenham lastro e não sejam mera matéria virtual, portanto, fictícia.
Pressupõe outrosim a verdade de que os procedimentos se façam segundo regras observadas
por todos. Ocorre que no neoliberalismo e nos mercados, especialmente a partir da era Thatcher
e Reagan, predominou a financeirização dos capitais.
O capital financeiro-especulativo é da ordem de US$ 167 TRILHÕES, enquando o capital real,
empregado nos processos produtivos gira por volta de US$ 48 TRILhÕES anuais. Aquele delirava na especulção das bolsa, dinheiro fazendo dinheiro, sem controle, apenas regido pela voracidade do mercado. Por sua natureza, a especulação comporta sempre alto risco e vem submetida a desvios sistêmicos: à ganância de mais e mais ganhar, por todos os meios possíveis.
Os gigantes da Wall Street eram tão poderosos que impediam qualquer controle, seguindo
apenas suas próprias regulações. Eles contavam com as informações antecipadas (insider
information), manipulavam-nas, divulgavam boatos nos mercados, induziam-nos a falsas apostas e tiravam daí grande lucros. Basta ler o livro do megaespeculador George Soros, "A crise do
Capitalismo", para constatá-lo, pois aí conta em detalhes estas manobras que destroem a confiança e averdade. Ambas sacrificadas sistematicamente em função da ganância dos especuladores. Tal sistema tinha que um dia ruir, por ser falso e perverso, oque de fato ocorreu.
A estratégia inicial norte-americana era injetar tanto dinheiro nos "ganhadores" (Winner) para que a lógica continuasse a funcionar sem pagar nada por seus erros. Seria prolongar a agonia.
Os europeus, recordando-se dos resquícios do humanismo das Luzes que ainda sobraram, tiveram mais sabedoria. Denunciaram a falsidade, puseram a campo o Estado como instância salvadora e reguladora e, em geral, como ator econômico direto na costrução da infra-estrutura e nos campos sensíveis da economia. Agora não se trata de refundar o neoliberalismo, mas de inaugurar outra arquitetura econômica sobre bases não fictícias. Isto que dizer, a economia deve ser capítulo da política (a tese clássica de Marx), não a serviço da especulação mas da produção e da adequada acumulação E a política se regerá por critérios éticos de transparência, de eqüidade, de justa medida, de controle democrático e com especial cuidado para com as condições ecológicas que permitem a continuidade do projeto planetário humano.
Por que a crise atual é crise de humanidade? Poque nela subjaz um conceito empobrecido de ser
humano que só considera um lado dele, seu lado de ego. O ser humano é habitado por duas forças cósmicas: uma de auto-afirmação, sem a qual ele desaparece. Aqui predomina o ego às competição.
A outra é de integração num todo maior, sem o qual também desaprece. Aqui prevalece o nós e a
cooperação. A vida só se desenvolve saudavelmente na medida em que se equilibram o ego e o nós, a competição com a cooperação. Dando restara só à competição do ego, anulando a cooperação, nascem as distorções a que assistimos, levando à crise atual. Contrariamente, dando espaço apenas ao nós sem o ego, gerou-se o socialismo despersonalizante e aruína que provocou. Erros desta gravidade, nas condições atuais de interdependência de todos com todos, nos podem liquidar. Como nunca antes temos que nos orientar por um conceito adequado e integrador do ser humano, por um lado individual-pessoal com direitos e por outro social-comunitário com limites e deveres. Caso contrário, nos atolaremos sempre nas crises que serão menos econômico-financeiras e mais crises de humanidade.

LEONARDO BOFF

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