domingo, 16 de novembro de 2008

'Tortura acontece todos os dias no Brasil'

Pesquisadora defende processo contra militares, mas alega que só isso não vai acabar com a prática em delegacias e prisões
Criadora de um modelo científico - baseado em entrevistas com ex-torturadores do regime militar brasileiro - que a levou a prever torturas no Campo Delta, em Guantánamo, e na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, a socióloga americana Martha Huggins acha que os acusados de torturar prisioneiros na ditadura do Brasil devem ser julgados. “A impunidade claramente estimula”, justifica a pesquisadora, em entrevista por telefone ao Estado.
Com base no seu trabalho, Martha antecipou aos jornais dos Estados Unidos, em 2002 e 2004, a possibilidade de brutalização de prisioneiros na “Guerra ao Terror”. A afirmação, no caso do cárcere iraquiano, foi feita pouco antes da divulgação das fotos de detentos encapuzados e humilhados.
“A tortura é um sistema, que inclui muitas pessoas”, afirma a socióloga, lembrando os “facilitadores” do uso de métodos brutais contra prisioneiros, como médicos e guardas. Ela inclui o próprio presidente George W. Bush nesse grupo. “Punir somente aquele que era torturador não vai desmantelar o sistema”, opina.
Apesar de não acreditar na possibilidade de algum ex-torturador ir parar na cadeia, ela acha importante o julgamento, para “abrir olhos” do País. Destaca, porém, que a violência contra prisioneiros ainda está enraizada no Brasil. “O julgamento de Ustra não vai parar aquela tortura comum que está acontecendo todos os dias no Brasil”, afirma a socióloga, referindo-se ao coronel Carlos Alberto Ustra, que comandou o DOI-Codi em São Paulo.
No modelo científico que montou sobre a tortura, Martha identificou dez elementos, a começar pela omissão da palavra “tortura” por todos os envolvidos nos casos. “Ninguém tortura no Brasil, você sabe”, ironiza. “No meu estudo, passei meses procurando um torturador. Ninguém torturou.”

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