quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Lula cria por MP um ‘trem da alegria’ filantrópico



Sem alarde, o Palácio do Planalto fez publicar no “Diário Oficial” desta segunda (10) uma medida provisória que premia a falsa filantropia.
A pretexto de aperfeiçoar o modelo de concessão de benesses tributárias, o governo concedeu perdão amplo, geral e irrestrito a malfeitores filantrópicos.
Pela lei, entidades que praticam a benemerência social têm o direito de reivindicar a isenção no pagamento da contribuição previdenciária e de tributos.
A renúncia fiscal do Estado é estimada em cerca de R$ 5 bilhões anuais. Para fugir dos guichês do fisco, é preciso comprovar a dedicação à filantropia.
Quando bem-sucedidas, as entidades recebem um documento chamado CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social).
Inúmeras entidades são pilhadas malversando verbas públicas. Quando isso ocorre, cassa-se o CEBAS. E cobra-se o imposto sonegado.
Pois o governo acaba de mandar ao lixo uma pilha de documentos com o resultado de investigações do fisco, do INSS, da PF e do Ministério Público.
Deu-se prontuário limpo a entidades que a máquina de fiscalização do Estado comprovara sujas.
A medida provisória de Lula leva o número 446. Assinada na sexta (7), foi publicada nesta segunda-feira (10).
Tem 49 artigos. Sobre três deles repousam os trilhos do trem da alegria filantrópico. Os dormentes da encrenca foram assentados nos artigos 37, 38 e 39 da MP:
1. O artigo 37 anota que os pedidos de certificado de filantropia já protocolados, mas ainda não analisados até a edição da MP, são considerados como “deferidos”.
Esse mesmo artigo traz enganchado um “parágrafo único” onde se lê:
“As representações em curso no CNAS [Conselho Nacional de Assistência Social], propostas pelo Poder Executivo em face da renovação referida no caput, ficam prejudicadas, inclusive em relação a períodos anteriores”.
Significa dizer que todos os pedidos de certificado filantrópico pendentes de análise serão deferidos sem análise. Mesmo que o requerente seja acusado das mais desavergonhadas irregularidades.
2. No artigo 38, está escrito: “Fica extinto o recurso, em tramitação até a data de publicação desta medida provisória, relativo a pedido de renovação ou de concessão originária de CEBAS deferido pelo CNAS”.
Vale dizer: são passadas na borracha todas as contestações à lisura da escrituração de filantrópicas de fancaria.
Certificados de benemerência sujeitos a cassação por conta de tais recursos contestatórios ganham nova vida.
3. O artigo 39, de tão deletério, chega a ser cômico. Foi vazado nos seguintes termos:
“Os pedidos de renovação de CEBAS indeferidos pelo CNAS, que sejam objeto de pedido de reconsideração ou de recurso pendentes de julgamento até a data de publicação desta medida provisória, consideram-se deferidos”.
O texto dispensa traduções: converteu-se em “deferido” o que era “indeferido”. Simples assim.
A medida provisória surge nas pegadas de uma investigação da PF e do Ministério Público. Foi revelada em março e esmiuçada aqui no blog em julho. Recebeu o nome de “Operação Fariseu”.
Descobriu-se que o CNAS, o conselho incumbido de expedir o certificado filantrópico, convertera-se num balcão de negócios.
As perversões detectadas no inquérito policial sorveram do erário algo como R$ 2 bilhões. A nova medida provisória contém uma tentativa de correção de rumos.
Retirou-se do CNAS a atribuição de cartório da filantropia. Doravante, o selo de reconhecimento filantrópico será expedido por três ministérios.
Das filantrópicas do ensino passa a cuidar o ministério da Educação. Das entidades hospitalares, o da Saúde. E das sociais, a pasta do Desenvolvimento Social.
Diversificaram-se os guichês. Onde havia uma fila, agora há três. Mas, a julgar pelo texto da MP 446, a disposição do governo para premiar a desonestidade mantém-se inalterada.
Embora já esteja em pleno vigor, a MP terá de ser referendada pelo Congresso. É forte, muito forte, fortíssimo o lobby filantrópico no meio parlamentar. Azar do contribuinte.

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